Chris standing up holding his daughter Elva

“Se você tiver febre, tosse ou dificuldade para respirar, dentro de um período de até 14 dias, após viagem para a China, deve procurar uma unidade de saúde mais próxima e informar a respeito da viagem.”

Desde 24 de janeiro, o informe acima é repetido no sistema de som dos principais aeroportos do país. A mensagem aconselha, ainda, a cobrir o nariz e a boca ao espirrar e a evitar aglomerações e ambientes fechados. Também recomenda lavar as mãos, frequentemente, com água e sabão e não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres e copos. 

O aviso faz parte das ações de enfrentamento ao novo coronavírus (Covid-19) traçadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Portos, aeroportos e fronteiras são de fundamental importância para o sucesso da estratégia, pois podem servir de porta de entrada para a epidemia. Via Ministério da Saúde, o Brasil se mantém atualizado em relação às diretrizes da OMS (Organização Mundial da Saúde) e, até o presente momento, não registra casos da doença. 

Apesar das precauções, é esperada uma redução no número de passageiros em voos internacionais, sobretudo naqueles com escala em países asiáticos. Oficialmente, a OMS não impôs qualquer restrição a viagens à China (inclusive para transporte de cargas), mas diversas companhias se anteciparam e suspenderam suas ligações aéreas para esse destino por tempo indeterminado.

Como as maiores empresas aéreas têm lidado com o quadro de emergência 

Em nota, a Gol afirmou que não opera voos para a China e que não sofreu qualquer impacto até o momento com relação ao coronavírus. A companhia esclareceu, ainda, que vem seguindo as recomendações do órgão sanitário e tomando as medidas cabíveis. E confirmou: “Antes do embarque, na hipótese de um cliente com passagem pela China apresentar sintomas de gripe, e a suspeita do coronavírus se confirmar, a empresa pode impedi-lo de voar como forma de zelar pela saúde e segurança dele e dos demais viajantes”.  

A Latam Airlines informou que “está seguindo todas as recomendações do departamento de saúde da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), bem como da Organização Mundial da Saúde, do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos e das autoridades competentes locais, como a Anvisa”. Segundo a assessoria, a Latam avalia com atenção o tema, “mas ainda é cedo para fazer qualquer prognóstico”.  

A Azul, por sua vez, disse estar “monitorando os desdobramentos a respeito do coronavírus e seguindo todas as recomendações feitas pelos órgãos reguladores e pelo Ministério da Saúde, oferecendo equipamentos de proteção individual para os seus empregados que trabalham em aeroportos com voos internacionais”.

Uma história de resiliência

O setor aéreo está bem preparado para enfrentar uma crise de saúde pública de grandes proporções. A indústria tem a seu favor a experiência acumulada em duas epidemias traumáticas: a do vírus SARS, em 2003; e a do MERS, que assolou a Coreia do Sul em 2015. 

No informe intitulado “O que podemos aprender com episódios de pandemia do passado”, divulgado em 24 de janeiro, a Iata apresentou um gráfico comparativo, que demonstra a queda abrupta no volume de tráfego durante a eclosão dessas viroses. Para chegar aos resultados, a entidade usou como referência o RPK (número de passageiros pagantes por quilômetros viajados), métrica usual em aviação.

Segundo o estudo, o volume de tráfego na região Ásia-Pacífico teve seu pior momento em maio de 2003 – e retornou à normalidade nove meses depois. “No auge do surto de SARS, os RPKs mensais das companhias aéreas da região Ásia-Pacífico eram, aproximadamente, 35% inferiores aos níveis anteriores à crise. No geral, em 2003, a perda de confiança e o medo de haver uma disseminação global afetaram as viagens de negócios e lazer para a região, resultando na redução de 8% dos RPKs anuais e US$ 6 bilhões a menos nas receitas das companhias aéreas da região”, detalha o documento.

Em suas conclusões, a Iata pondera que as crises são agudas, porém, temporárias e que o modal tem demonstrado “grande resiliência a choques”. “Assim que as autoridades declararem o fim da pandemia, o número de viagens deverá retomar rapidamente”, assinala o documento.

Autoridades alinhadas 

Outra “herança” dos surtos de SARS e MERS é a maior concatenação entre as autoridades de saúde pública e a indústria de aviação no combate a crises. De lá para cá, diversos protocolos foram criados, de modo a gerar uma verdadeira reação em cadeia. “Cooperação internacional é a chave para uma resposta efetiva”, defende a Iata em sua comunicação oficial. 

A OMS abriu um canal de escuta com as aéreas para redigir as Regulações de Saúde Internacional, lançadas em 2005. No ano seguinte, o diálogo foi aprofundado com a iniciativa da Oaci (Organização Internacional da Aviação Civil) de criar um comitê para “eventos de saúde pública”. Os mecanismos foram colocados em prática pela primeira vez com a epidemia de influenza em 2009 e, depois, com o surto de ebola no oeste da África. 

Como resultado, a Iata desenvolveu uma série de manuais para emergências sanitárias que estão em uso desde então. Eles tratam de assuntos como higienização de cabines, descontaminação de bagagens e cuidados com a tripulação. Esse material de referência é amplamente difundido e serve de parâmetro, inclusive, para as empresas brasileiras, uma vez que se harmoniza com as prescrições da Anvisa. 

Por fim, vale ressaltar que a entidade mantém um conselho médico (Medical Advisory Group), que congrega os médicos-chefes de dez companhias do setor e é responsável por fazer a ponte entre a indústria e as autoridades nacionais e regionais de saúde pública. 

O significado da emergência

Em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Dar à crise o status de ESPII tem uma intenção prática, que nada tem a ver com criar alarme, tampouco quer dizer que o nível de risco para o cidadão comum tenha aumentado. Na verdade, é um chamamento para a cooperação internacional.

“O principal motivo dessa declaração não diz respeito ao que está acontecendo na China, mas ao que está acontecendo em outros países. Nossa maior preocupação é o potencial do vírus para se espalhar por países com sistemas de saúde mais fracos e mal preparados para lidar com ele”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, na ocasião.

“O que muda agora é que, com essa declaração, mais recursos internacionais podem ser mobilizados para atuar na China, com o governo, a fim de interromper a transmissão onde ela está ocorrendo”, reforçou Jarbas Barbosa, vice-diretor da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde). Até o momento, foram relatados casos de contágio em 30 países, além da China. 


Riscos e medidas de segurança

Os relatos que chegam da China dão conta de que o uso de máscaras é obrigatório, sem exceções, e a circulação de pessoas está severamente limitada, mesmo nas cidades fora da quarentena. Os serviços de delivery estão suspensos, e quem precisar sair de casa enfrentará inspeções por agentes equipados com termômetros a laser (infravermelho). Nos aeroportos, nativos e estrangeiros autorizados a deixar o país precisam se submeter a jatos de spray de descontaminação e passar por scanners térmicos, aptos a identificar indivíduos com febre. 

Naturalmente, esse cenário gera ansiedade e muitas dúvidas. A primeira é com relação ao uso de máscaras em voos. Para os passageiros, a recomendação da OMS é taxativa: “Use a máscara se NÃO estiver se sentindo bem. Caso contrário, não há necessidade de usá-la”. Com relação ao pessoal a bordo, a Iata esclarece que a decisão de usar ou não máscaras é exclusiva da companhia aérea, mas faz um alerta: o uso não seria recomendável, pois o equipamento fica úmido e facilmente se torna um meio de proliferação de organismos infecciosos. 

Outro medo muito comum é com relação ao ar que abastece a aeronave, que poderia ficar “viciado” com a respiração de passageiros contaminados. Esse temor não procede, tranquiliza David Powell, consultor médico da Iata. “O risco de contrair um vírus a bordo de um voo é provavelmente menor do que em muitos espaços confinados, porque as aeronaves modernas têm sistemas com filtro de ar HEPA na cabine. Esses filtros apresentam desempenho semelhante aos filtros usados para manter o ar limpo em salas de operações de hospitais e salas industriais. Eles capturam, de forma eficaz, mais de 99,97% dos micróbios transportados pelo ar. Além disso, o sistema de ar da cabine fornece, aproximadamente, 50% de ar externo e 50% de ar filtrado e recirculado. Isso significa que o ar fornecido é essencialmente estéril”, garante. 

No entanto, podem ocorrer emergências, de fato, com viajantes passando mal durante o voo. Nesse caso, cada país terá seu procedimento. No Brasil, vigora o protocolo “Atendimento de Evento de Saúde Pública a Bordo”, cujo cumprimento é de responsabilidade compartilhada entre a Anvisa, a administradora do aeroporto e as companhias aéreas. O documento elenca que atitudes devem ser tomadas antes e depois do pouso. Com base nas informações coletadas durante o trajeto, será possível definir, por exemplo, se o atendimento ao doente será na própria aeronave; quais equipamentos de proteção individual (EPIs) serão utilizados pela equipe médica; se o aeroporto terá de providenciar uma área de segregação; se a bagagem terá de ser descontaminada etc.


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>> Leia a íntegra do protocolo “Atendimento de Evento de Saúde Pública a Bordo” no site da Anvisa.


Esta reportagem está publicada na edição 289 da revista CNT Transporte Atual. Acesse a íntegra da publicação aqui.

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