Chris standing up holding his daughter Elva

A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) está sob nova direção desde fevereiro deste ano. Luiz Carlos Moraes, diretor de comunicação e relações institucionais da Mercedes-Benz do Brasil, assumiu a presidência para o quadriênio 2019-2022, subvertendo uma tradição de revezamento da Fiat, Ford, GM e Volkswagen ao longo da história no posto mais alto da entidade.

Economista, Luiz Carlos Moraes atua como um dos vice-presidentes da Anfavea desde 2012. Ingressou no setor automotivo em 1978 e iniciou sua carreira na Mercedes-Benz do Brasil na área de contabilidade, passando por diversos setores da empresa, até chegar à sua atual posição. À frente da associação, ele busca conjugar ações e articulações para reduzir custos de produção a fim de aumentar a competitividade da indústria automotiva, além de se preparar para o futuro que se avizinha, com muita conectividade e consciência socioambiental. Para tanto, Moraes considera que as bases para essa nova fase foram assentadas com o advento do Rota 2030 – programa que define regras para a fabricação dos automóveis produzidos e comercializados no Brasil nos próximos 15 anos.

Sobre o atual momento econômico por que passa o país, o mandatário da Anfavea reconhece que, passado o primeiro semestre, as expectativas foram, de certa forma, amainadas. Ainda assim, projeta crescimento substancial para o mercado de pesados, em decorrência do desempenho do agronegócio e da realização de mais uma edição da Fenatran (Salão Internacional do Transporte Rodoviário de Cargas), que será promovida em outubro, em São Paulo.

O Brasil e o mundo vivem realidades econômicas e informacionais únicas na história, com as necessidades de transporte sendo, gradualmente, revisitadas. Diante de um cenário de incertezas, quais são os principais desafios e demandas da Anfavea?

Nos últimos anos, a Anfavea trabalhou muito na questão regulatória: o que os veículos no Brasil precisam ter de novas tecnologias e de métodos de emissões. Trabalhamos muito para ter uma previsibilidade em termos regulatórios a fim de que a indústria possa se organizar e planejar tecnologias. Isso só foi possível por conta da finalização do Rota 2030. A indústria sabe o que e quando tem que entregar cada uma dessas tecnologias. O nosso grande desafio é buscar competitividade, mas não aquela das empresas, que estão fazendo ou já fizeram investimentos relevantes. Na indústria de caminhões, por exemplo, temos grandes modernizações ocorrendo, investimentos na indústria 4.0, em conectividade, big data, enfim, uma revolução já está acontecendo nas nossas fábricas. Agora, do portão para fora, como sempre falamos, a gente tem um grande desafio, que é o custo Brasil. Buscamos eliminar ou retirar todos os obstáculos que dificultam a nossa vida no dia a dia. No Brasil, a carga tributária, a burocracia e as dificuldades na importação, exportação e logística são grandes desafios que afetam o custo do nosso setor.

E como avalia o desempenho econômico do país?

A equipe econômica do ministro Paulo Guedes definiu como prioridade resolver a reforma da Previdência. Dada a complexidade da proposta, isso tomou praticamente todo o primeiro semestre. Por isso, a expectativa de crescimento do PIB, que inicialmente era de 2,5%, hoje, é de apenas 0,8%, segundo sinalizam os especialistas. Então, há uma queda das expectativas. Talvez, eu considere as previsões iniciais mais otimistas do que o normal. Mas isso é naturalA reforma tende a trazer um ambiente de negócios mais favorável no segundo semestre. Com ela, devem vir medidas que o ministro [Paulo Guedes] está finalizando para a melhoria do ambiente de negócios, como redução da burocracia e possibilidade de diminuição da taxa de juros, porque a inflação está sob controle. Também está prevista colocação de mais dinheiro para crédito. Já ocorreu uma primeira parcela, uma liberação de cerca de 20 bilhões para créditos, de depósitos compulsórios, que vão estimular os financiamentos. Por isso, vemos com mais otimismo o segundo semestre.

O mercado de pesados é um importante termômetro da atividade econômica no Brasil. Com a atual conjuntura econômica, quais são as previsões para esse segmento?

O mercado de pesados, de janeiro a junho deste ano, teve um crescimento de 46% na comparação com o ano passado. O mês de julho caminha com a mesma velocidade, mostrando um crescimento robusto. É claro que a base do ano passado ainda é baixa, mas o crescimento de 46% é robusto. Estamos vendo um crescimento puxado pelo setor de pesados, que está atingindo 69%. Outros subsegmentos – semipesados, caminhões médios – têm crescido consideravelmente, não na mesma proporção. A expectativa da Anfavea no início do ano era que o mercado de caminhões poderia atingir 88 mil unidades. No momento, estou achando que é possível ser até mais. Ela ainda está muito abaixo dos níveis que tivemos no passado, mas vejo de forma positiva esse crescimento.

A quais fatores o senhor atribui essa expectativa?

O agronegócio deve bater 240 milhões de toneladas neste ano. Esse é outro recorde do setor e de tudo o que está ao redor dele. Se a economia tiver um crescimento em outras áreas, estimulará outros subsegmentos, como o de caminhões (semipesados e leves também). Também temos a Fenatran, que é uma importante oportunidade de negócios. Então, eu também vejo com otimismo a feira para consolidar, de forma mais positiva, uma retomada do crescimento no mercado de caminhões.

As duas últimas edições da Fenatran refletiram bem as fases pelas quais a economia brasileira passou nos últimos anos. Qual a expectativa para a próxima edição?

Eu acho que pode ser a consolidação de um crescimento contínuo. Talvez cheguemos às 88 mil unidades ou a um pouco mais: 90, 92 mil unidades. Isso ainda é muito abaixo do que já foi no passado. Mas, no ano que vem, mantida essa previsão de  crescimento em torno de 1% do PIB e com as reformas que estão em andamento, acredito que a gente tenha um crescimento um pouco maior.

Por que a indústria nacional celebrou tanto a consolidação do Rota 2030?

Saber quando e por que tem que ser entregue facilita o nosso planejamento, assim como ajuda a questão dos testes, que têm que ser feitos para lançamento dos produtos. Além disso, há o aspecto de estímulo à pesquisa e ao desenvolvimento da indústria no Brasil. Então, você define quando o equipamento tem que ser entregue e, também, qual nível de equipamento vai ser instruído no veículo. Com isso, as montadoras estão entregando veículos mais seguros, que consomem menos combustível e contribuem com a questão das emissões.

Como a indústria nacional está absorvendo a primeira fase do Rota 2030?

A indústria já está fazendo grandes investimentosTodas as montadoras anunciaram um plano de investimentos muito forte de, aproximadamente, R$ 40 bilhões – e boa parte disso vai para a indústria de caminhões. Tudo isso é destinado a investimentos em novas tecnologias e novas metas de emissões. Além disso, algumas empresas também estão se modernizando e incluindo a indústria 4.0 em suas fábricas. Por isso, eu vejo com bons olhos essa nova fase. Apesar da queda do mercado, as indústrias e as montadoras de caminhões estão investindo intensamente no Brasil.

Concorda com a alegação de que o governo está fornecendo incentivos para a indústria automobilística e não oferecendo uma real contrapartida para a sociedade?

A gente discorda totalmente desse discurso. Quem diz isso demonstra que não entende sobre o que é o programa. O Rota 2030 é um conjunto de normas e regulamentos que prevê a instalação de equipamentos de segurança e o estabelecimento de metas de emissões, a exemplo de países modernos, como na Europa e nos Estados Unidos. E não existe essa de incentivo, não. O que ocorre é o subsídio, o estímulo para pesquisa e desenvolvimento, algo normal em todos os países do mundo. A pesquisa e o desenvolvimento serão tocados pelas montadoras, pelas universidades, pelos institutos. Então, tudo isso é bom para o país.

Alguns setores dizem que a segunda e terceira fases – especialmente na questão das metas de eficiência energética de ônibus e caminhões – são excessivamente longas. A Anfavea concorda?

Não encaramos assim, e isso funciona da mesma forma na Europa. Lá, ninguém define uma rota tecnológica. É preciso ter um planejamento. Aqui nós estamos falando de produtos ainda mais sofisticados, que demandam investimentos altos e testes. Estamos seguindo um padrão europeu, no qual se define, no longo prazo, o que é importante frisar. A grande vantagem do Rota 2030 é que antigamente alguém sentava lá, escrevia e definia uma norma só para implantar no ano que vem. Isso não funciona. Nosso setor, que tem grandes volumes de investimento, precisa de previsibilidade.

É por isso que a questão dos carros híbridos e elétricos está tímida no programa ainda?

Os veículos elétricos e híbridos são outro desafio. Essa é uma tecnologia que está sendo discutida na Europa e em alguns países. Algumas montadoras já estão lançando alguns produtos, mas isso depende muito, em primeiro lugar, do custo de investimento. Temos o desafio da autonomia do veículo e de como reduzir o custo das baterias. Talvez, não venha na mesma velocidade que na EuropaEstamos numa fase anterior, de recuperação, saindo da maior depressão de que se tem notícia do mercado de veículos comerciais.

Quais são as expectativas do setor em relação ao acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia?

Hoje, somos muito dependentes do mercado argentino, mas o nosso vizinho está passando por um momento difícil, e isso interferiu no volume de exportações. Percebemos que acordos são importantes. Nesse caso específico, vemos com bons olhos, porque assinamos um acordo com um parceiro que tem 25% do PIB industrial. Temos 27 países avançados, e isso traz para a indústria a questão de se preparar, especialmente, quanto ao aspecto do custo Brasil. O Brasil precisa reduzir logística, custo tributário, burocracia. É possível a gente se preparar, porque isso vai ser feito ao longo de 15 anos. É a oportunidade para reduzirmos imposto de importação para peças e componentes de alta tecnologia, que a gente vai poder trazer também dentro desse acordo. Isso será fundamental para que consigamos implantar, no Brasil, produtos mais tecnológicos com custos aceitáveis para as transportadoras.

Haverá um alinhamento imediato à legislação europeia?

O Rota 2030 já fez esse alinhamento tecnológico. Os nossos produtos estão cada vez mais próximos das tecnologias mais avançadas nessa área. Para se ter uma ideia, a Europa tem o EURO 6 [conjunto de normas regulamentadoras sobre emissão de poluentes para motores a diesel] ao passo que o Brasil, em 2023, também adotará esse regramento.  estamos desenvolvendo, testando e investindo nisso. Estamos muito mais próximos do padrão tecnológico de um caminhão europeu. Por isso, não vejo problemas na questão tecnológica, mas, sim, no custo.

Em que medida os veículos brasileiros estão tão próximos dos patamares tecnológicos da indústria europeia?

As pessoas vão se surpreender na Fenatran. A questão de conectividade  é um produto disponível e acessível. Várias montadoras estão colocando produtos conectados à disposição dos nossos próprios montadores, como: motores, câmbios, redução de consumo. Oferecemos cabines para outros caminhões com mais conforto, com itens de segurança, além de já estarmos vendendo veículos com algum grau de autonomia. O nosso objetivo com relação ao caminhão é oferecer para os nossos transportadores um produto que reduza o custo operacional, a possibilidade de acidentes e o consumo de combustível e, também, aumente o conforto e a segurança.

Como a Anfavea acompanha as negociações de uma possível renovação do acordo automotivo com a Argentina, tendo em vista a crise econômica do país?

O acordo tem que ser renovado. Faz parte do processo normal da negociação. Neste mês de julho, os dois governos estiveram em tratativas, ainda que o acordo não esteja na fase de finalização, pelo que sabemos. Há também a possibilidade da entrada do livre comércio. As datas e as condições não estão definidas, mas a direção é pelo livre comércio. Pelo menos, houve a intenção dos dois governos.

Em relação ao acordo entre Brasil e México que estabelece o livre comércio para importação de automóveis e autopeças entre os países, a Anfavea tem ressalvas?

O livre comércio já está em vigor desde março. A preocupação da Anfavea não é com o acordo, mas, sim, com o custo Brasil. O acordo está dado, e vamos jogar o jogo. A nossa busca frenética é para que o Brasil possa ser competitivo.

Existe uma tendência global de os consumidores passarem a pagar mais pela utilização, e não pela aquisição de bens. Como o setor está se preparando para essa realidade?

Este é um novo momento da indústria, e ela vai se adaptar. Isso veio para ficar, eu acho. A indústria está preparada para atender a esse novo modelo de negócios do setor. Não vejo como problemaé  uma questão de adaptação. Já está acontecendo no Brasil. É crescente o número de locadoras que atendem por aplicativos, que atendem grandes frotas e de empresas que não querem ter suas frotas e querem alugá-las. Isso já é um fato no setor de automóveis, e a gente percebe algumas iniciativas no campo de veículos comerciais.

Como as montadoras poderiam contribuir para que o Brasil tivesse um plano de renovação de frota efetivo?

O Brasil tem distorções que estimulam a manutenção de frotas antigas. Quando não se tem inspeção técnica veicular, há um “estímulo” para ficar com um caminhão velho, porque não tem um IPVA a partir do 12º ano zerado, diferentemente de países mais modernos. Por lá, é o contrário: quanto mais velho é o veículo, mais se paga o IPVA.  Isso é uma distorção tributária. Nós da Anfavea trabalhamos fortemente sobre a discussão em torno desse tema e reconhecemos a sua complexidade. Não é tão simples mexer no IPVA, que é uma questão estadual. Estamos trabalhando. Renovar a frota é um objetivo de sempre da Anfavea.

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